segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Mangrulho

O mangrulho é uma torre de atalaia feita com troncos altos e aproximadamente com cinco metros de altura. O homem que está de vigia sobe por uma escadinha rústica e lá em cima tem uma plataforma, às vezes com cobertura de palha para proteção . Mangrullo é uma palavra hispano-americana, popularíssima na Argentina e no Uruguai, que passou a fronteira e se abrasileirou como mangrulho. Vale lembrar que no município de São Borja, quase dentro do núcleo urbano, existe uma localidade chamada exatamente Mangrulho, que o companheiro Sérgio São Borja conhece muito bem...
Qual era a função do mangrulho? Na pampa argentina, na chamada "guerra del desierto" entre os soldados do exército argentino e os índios hostis na fronteira entre a civilização e a barbárie, o mangrulho facilitava a visão muito ampla (360º) do pampa. Ao menor sinal de perigo, o soldado que estava no mangrulho dava o sinal. O índio pampiano era exímio na arte de se aproximar sorrateiramente, disfarçando-se na própria natureza. Aos olhos do vigia do mangrulho, pastava pacificamente uma tropilha clinuda, sem sinais de contato com o homem: de repente se erguiam de trás dos cavalos, onde se escondiam com grande habilidade, 50 ou cem conas de lanza que já vinham ao ataque flechados no rumo do fortim que o mangrulho vigiava. Martin Fierro, a obra imortal de José Hernandez, dá uma adequada visão desses tempos, e o cinema argentino em mais de uma oportunidade retratou essa luta.
Civilização e barbárie? A expressão é equívoca, embora tenha sido gasta por autores. A civilização não era tanto "civilização" e a barbárie também não era tanto "barbárie". Civilizados aqueles soldados dos fortins da fronteira caçados a mango e a boleadeira nas pulperias dos arrabaldes? Não. Improvisados a força como militares, tratados a manotaços pelos superiores, roubados do soldo muitas vezes e tendo que enfrentar a brilhante cavalaria pampiana, o soldado de fronteira não era nem perto de civilizado. E nem era soldado - apenas um pobre paisano caçado como fera no qual empurravam à força uma farda azul, uma espada e um mosquetão.
E bárbaro, selvagem, o ranquel, o araucano? Menos. Ele tinha sua vida organizada. A sua família, o seu modus vivendi, seu vasto território era cobiçado pelos brancos que não pensaram jamais em respeitar os direitos dos índios. Não. Foi uma guerra de extermínio, e o governo argentino terminou por conquistar a pampa. Para quê? Para nada: aí está até hoje, em pleno século 21, o mapa da Argentina. Da província de Buenos Aires para baixo, até a Patagônia, lá estão imensas solidões geladas, desérticas.
O mangrulho foi parte dessa luta genocida, cruel. Não tivemos no Rio Grande do Sul uma cousa assim, embora a Guerra das Missões (1750-1756) dos nossos antepassados não nos encha de orgulho. Mas tivemos muitas guerras civis, e por isso importamos o mangrulho. A prova está em São Borja , ali no que sai do cemitério, da Vila Alegre, não é, meu amigo Sérgio Medeiros?
Fonte: coluna do Nico Fagundes em ZH do dia 19/03/2007